Se já estava complicado planejar antes…

Tenho uma teoria de que o ser humano gosta muito de complicar coisas simples. Muitas vezes para fazer aumentar o valor de seus serviços, acabam criando dificuldades para depois vender eventuais facilidades. Complicação pouco ética, neste caso.

O que podemos afirmar é que a vida dos consultores especializados em Estratégia e principalmente no desenho do Planejamento Estratégico tem ficado exponencialmente mais difícil, mesmo em economias estáveis, caso ainda existam.

Aprendi Planejamento Estratégico já em um ambiente complicado, em um framework que os acadêmicos militares dos Estados Unidos bem definiram como VUCA – Volátil, Incerto, Complexo e Ambíguo.

A volatilidade se relaciona à imprevisibilidade e profundidade das mudanças no ambiente, quer seja o ambiente de negócios de uma macroeconomia, quer seja um ambiente competitivo em um determinado segmento ou indústria. Tive a sorte de vivenciar o surgimento e aplicação prática das teorias de Michael Porter, com seu best-seller “Estratégia Competitiva” para ajudar a nos situar no contexto mundial da época, pois uma coisa é certa: se o ambiente externo muda para nossa empresa, muda também para os concorrentes. Então, a escola de estratégia orientada à competitividade, que Henry Mintzberg chamou de Escola do Posicionamento, onde a formação da estratégia é baseada em processos analíticos, não poderia ser mais precisa naquele ambiente e momento. Além disso, pudemos respirar as teorias de Peter Drucker recém saídas do forno, nos ajudando a entender como podemos administrar com eficácia em um ambiente nada menos do que hostil por natureza.

A próxima letra do acrônimo é a letra “U”, de incerto, em inglês “uncertain”. A incerteza é uma consequência direta da volatilidade do ambiente em que estamos inseridos, e refere-se à inabilidade de mensuração e previsão de eventos externos, e, por conseguinte, ninguém seria capaz de prever com precisão o que o amanhã pode nos trazer de surpresas – o que é um veneno para qualquer planejamento.

A letra “C”, de Complexidade, corrobora a dificuldade de trabalho em um ambiente onde existem toneladas de dados a serem compilados para uma eventual análise, mas devido à volatilidade e incerteza até mesmo a melhor das análises preditivas feitas em supercomputadores pode ser pega de surpresa, pois existem variáveis “ocultas” nos dados que podem aparecer em suas compilações. Ou podem não aparecer, mas estão ali, ocultas.

Para deixar mais “fácil” nosso trabalho, temos a letra final “A”, de Ambiguidade. Uma mensagem pode ser passada de forma ambígua por uma informação obtida desse “bando de dados” minerados do mundo da informação, dependendo muito da forma com que foi obtida e de seus algoritmos de extração do Big Data. Ou seja, significa que podemos ter diferentes interpretações na leitura de uma mesma mensagem, e a impossibilidade de entendimento completo da situação. De novo: ou não.

Complicado, isto tudo, para quem é de planejamento. 

Pois é, mas esses foram os últimos 40 anos (décadas de 80, 90, 2000 e 2010). E, de uma forma ou de outra, aprendemos a lidar com essas incertezas pois técnicas foram brilhantemente desenvolvidas, e metodologias e ferramentas disponibilizadas… e não é que no final deu certo? Há como se trabalhar com cenários diversos, simulações e mudanças em premissas, com uma relativa segurança utilizando-se técnicas de mitigação de riscos e de Análise Prospectiva e Projeções de Cenários – matéria fascinante, que tem como expoente o grande Peter Schwartz, anteriormente executivo da Shell e hoje na empresa Salesforce, além do próprio Jamais Cascio.

O VUCA, um conceito de 40 anos de idade, neste mundo em ebulição onde pontos de inflexão em todas as áreas são uma constante, certamente merecia ser revisitado, e até mesmo com mais frequência.

Em 2018 um cidadão chamado Jamais Cascio, hoje residente no Vale do Silício, veio com uma nova proposta de framework para reciclar o que até então era o VUCA.

Para Cascio, profundo estudioso das inter-relações entre economias, empresa, meio ambiente, desenvolvimento tecnológico, ambiente político, convulsões sociais e o que pudermos imaginar de interações entre o que exista na Terra e fora dela, com a liberdade poético-criativa de meu pequeno exagero, VUCA já não representava mais a realidade da verdadeira complexidade e caos preditivo que estes 40 anos de evolução trouxeram à raça humana, em velocidade hiperbólica. 

Surgiu então o acrônimo BANI (no Brasil, FANI) “B” de “brittle” (no Brasil é “F” de frágil), “A” de Ansioso, “N” de Não-Linear e “I” de Incompreensível. É esse o nosso mundo: um mundo BANI, sem dúvidas.

Jamais Cascio é mais do que um gênio, para comprovar basta ler sobre sua carreira e assistir a algumas de suas palestras – também acompanhar o OpenTheFuture.com, vale muito a pena. Algumas de suas palestras chegam a assustar, como a palestra de encerramento que realizou em 2016 na conferência “Entendendo Riscos” organizada pelo Banco Mundial. Ler seus livros “Broken Dreams”, “Toxic Memes”, Worldchanging: A Guide to the 21st Century” e “Hacking the Earth: Understanding the Consequences of Geoengineering” deve ser uma experiência interessante, que ainda pretendo saborear.

Vamos explorar o BANI em outro artigo – mas uma coisa é certa: se o mundo já estava BANI em 2018 antes do COVID, será que o advento do surto de corona vírus faz parte do BANI, mudaremos a concepção de framework mundial novamente, visto que pegou grande parte do mundo de surpresa…? Cabe a reflexão.

ANDRÉ VACCARO
Consultor MBA, SFC, PMC®
Diretor do Núcleo USA da ABCO
 

Crédito da imagem: Designed by Freepik

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Assuntos relacionados